quarta-feira, 29 de abril de 2009

Diálogo 02

_Que saco! Por que será que todo cara interessante que eu conheço já tem namorada?
_Se você garantir que vai ficar comigo eu termino com a minha namorada.
_Você vai terminar com a sua namorada por minha causa? Não quero.
_Termino numa boa! Você é bem mais interessante.
_Ah é? E quando você achar alguém mais interessante que eu vai me trocar também?
_É bem provável. E o quê que tem? Qual é o problema? As pessoas insistem em querer acreditar que as coisas duram pra sempre. Nada dura pra sempre. Se a gente chegar no final e tiver colecionado boas lembranças já terá valido a pena. Só de termos nos conhecido e nos relacionado já terá valido a pena. Por que é que isso teria que durar demais? Pra que, no fim, os dois se sintam entediados? Prefiro que não. Prefiro que acabe cedo. Ou porque eu te troquei por outra, ou porque você me trocou. O que importa? Vai acabar mais cedo ou mais tarde. Então, que acabe bem. Que acabe no auge.
_Tudobem. Pode terminar com a sua namorada.

sábado, 18 de abril de 2009

Escolhas *



ELA:
Estou indo.
ELE: Sinto muito.
ELA: Isso é irrelevante. Sente muito pelo quê?
ELE: Por tudo.
ELA: Por que você não me disse antes?
ELE: Covardia. (...)

ELA: Como?... Como consegue?... Como você faz isto com alguém?
Ele tenta pensar numa desculpa.
ELA: Não é bom o suficiente.
ELE: Eu me apaixonei por ela, Alice.
ELA: Oh, é como se você não tivesse escolha? Há um momento... Há sempre um momento, em que passa pela cabeça "eu devo fazer isso?", "não posso ceder", ou "eu posso resistir" E eu não sei quando esse momento veio pra você, mas você fez a sua escolha. Estou ido.
Ele bloqueia a porta.
ELE: Não é seguro lá fora.
ELA: Ah, e é seguro aqui?
ELE: O que você vai fazer com suas coisas?
ELA: Eu não preciso dessas "coisas."
ELE: Pra onde você vai?
ELA: Sumir.

*Tradução adaptada de um trecho da peça de teatro na qual baseia-se o filme Closer.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Todo fim é um começo

Então, um dia, eu saio do banho já de pijama, com os cabelos ainda pingando e vejo um papel cor-de-rosa dobrado, escrito na frente e no verso, deixado no meu lado da cama.
Ela estava na cozinha preparando a mamadeira da filha dela.
Sentei e li só porque nós tínhamos desde o começo, o costume de deixar bilhetes de amor um pro outro.
Não era um bilhete de amor.

Ela reclamava que eu vinha sendo muito rude com sua filha, dizia que sua cabeça andava confusa e descontente com tudo, que todo o tempo que eu levava trabalhando e estudando estava fazendo com que ela se sentisse vilipendiada e mais uma porção de etceteras. Concluía pedindo que eu tivesse a bondade de ir embora. Da casa que eu tinha ajudado a escolher e reformar. De sua vida.

Não lembro o que eu falei quando ela veio pro quarto e viu que eu já tinha lido o bilhete. Não lembro o que ela respondeu. Lembro de ter jogado a aliança nela, de ter desejado que aquilo não estivesse acontecendo, de ter dado um soco na parede, explicado que o soco tinha sido na parede pra não ser em seu rosto, vestido uma calça jeans e uma camisa azul que ela odiava e de ter ido à pé até o centro, entrado num bar e tomado, sozinho, algumas cervejas enquanto pensava no que faria da minha vida dali pra frente, já que os últimos dois anos tinham sido gastos em prol daquela casa, daquela família e do bem estar daquela mulher.

Com meu futuro recém-replanejado, voltei pra casa e dormi no chão da sala com o gato. No dia seguinte voltei pra casa da minha mãe. Fiquei por lá 5 meses. O tempo necessário até conseguir outra casa pra alugar, comprar a mobília e me instalar.

Quando lembro disso sinto vergonha por ter sido tão emocional, vergonha por ter aceitado ela e a filha de volta depois de alguns meses, mas também sinto que foi nessa ocasião, enquanto eu tomava cerveja, que eu aprendi que na vida as coisas estão sempre recomeçando.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Unha Encravada

Humilhação. Vergonha. Medo. Incerteza. Indecisão.
Por algum motivo que eu ainda desconheço, não posso ver alguma coisa dando certo, fluindo bem, sem qualquer entrevero que vou lá, meto minha mão esquerda e provoco o caos.
Depois fico pelos cantos amuado que nem um adolescente idiota, sem saber o que fazer, sentindo essa ridícula auto-piedade.
Confrontar minha fraqueza é terrível. Perceber que eu sou só humano é algo que sempre me destruiu por dentro. Eu e meus sonhos de grandeza, minha megalomania, minha certeza de conhecimento absoluto dos mecanismos do mundo, do minha imensa e infalível inteligência emocional, não aguentamos esses baques. Essas confrontações de realidade nua e crua.
Sou orgulhoso, não gosto de me expor de verdade. Não meu lado feio, necrosado, dúbio e vil.
Aquilo que eu sou quando ninguém está vendo é tão negro, tão feio, tão podre que não deveria ser mostrado. É exclusividade minha.
É que nem aquela unha que encrava, inflama, cria pus, fica preta e causa ânsia de vômito nas pessoas, se você tirar o sapato em público.
Às vezes essa unha dói tanto, mas tanto que eu preciso tirar os sapatos pra dar uma aliviada. Mas depois que eu tiro e as pessoas vomitam a sujeira acaba sendo bem maior.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Punheta

"Sinceramente eu ando preferindo punheta."

Foi só quando eu disse isso que me toquei que tinha acabado.
Eu estava com uns amigos numa mesa de boteco falando sobre mulheres, sobre nossas mulheres e sobre nossos relacionamentos com elas.
Eu vinha arrastando aquela situação por muito tempo. A gente simplesmente se apega àquela condição. Se apega à relação mais até do que se apega à pessoa.
A pessoa você quer ver longe. Fica rezando pra que ela demore a voltar da visita na casa da irmã, fica torcendo pra ter trabalho que te faça ficar até depois do expediente e, se não tem, vai pra um boteco com os amigos pra dar tempo de ela dormir e você chegar sem precisar ver ninguém.
Mas por algum motivo o coração se aperta quando você pensa em deixar tudo. Em simplesmente arranjar outra casa pra alugar, pegar tuas coisas, o gato que ela te deu e se mandar. Você se acostuma a cozinhar pra alguém, a reclamar dos gastos, pedir opinião sobre qual sapato usar naquele evento, contar a última merda que um cliente te pediu pra fazer, dar um beijinho no rosto antes de sair pro trabalho... e daí você vai tocando. Vai punhetando aquela relação que já não te traz mais nada e não tem nenhuma chance de trazer.
Mesmo que nada mais te dê tesão, mesmo que não haja mais novidade e você sinta que só está engordando no sofá e esperando o tempo passar o mais depressa possível pra chegar enfim o dia glorioso da sua morte.
Quanto mais tempo passa, mais difícil fica a convivência e mais difícil fica se livrar da convivência.
Mas quando eu disse aquela frase eu vi que daquele mato não sairia mais coelho. Que a coisa mais interessante que poderia acontecer na minha vida era uma úlcera nervosa. E isso certamente traria mais gastos.

Juntei minhas coisas e vim pra São Paulo.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Le Voyeur

Ela recostou a cabeça no vidro da janela do ônibus e ficou olhando a paisagem passar. Os lábios movendo-se um pouquinho, disfarçando a música que ia sendo cantarolada.
A mão pequenininha ajeitou o fone de ouvido. Uma mãozinha ossuda, as pontas dos dedos arredondadas e rosadas. Dedos compridos. Um anelzinho dourado bem fino no dedo médio esquerdo e só.
O cabelo curtinho e repicado de um louro meio alaranjado, exótico. Rosto fino, nariz protuberante, olhos grandes.
A boca era pequena, lábios estreitos, batom claro. Óculos escuros imensos.
Pescoço comprido. Bolsa de algodão cru. Um casaco preto e uma saia bordô, pregueada que ia até os joelhos. Brancos. Joelhos bem brancos com umas veias azuladas aparecendo. Bota de couro. Cano longo. Bem longo. Sem salto.

Ela olhou na minha direção e eu disfarcei. Corri trocar a música do meu MP3.

Diálogo

Duas pessoas num barzinho.

_Quando eu te conheci te achei muito interessante. Senti tesão imediatamente.
_Mentira!
_Verdade. Voltei pra casa pensando no quanto eu queria te comer.
_"Queria"? Não quer mais?
_Depende. Seu lençol tá limpo?

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Corações partidos

Algumas mágoas jamais cicatrizam.

Eram quase crianças. Ela nunca tinha namorado de verdade com ninguém.
Eles andavam pela rua de mãos dadas e conversavam banalidades quando ela começou a sentir aquele calor lhe dominar o coração. A alegria infinita de ter alguém bacana a seu lado, de ter uma mão apertando seus dedos, de ter uma boca beijando seus lábios entre uma frase e outra, de poder rir juntos, de poder viver pequenos momentos lindos como aquele.
A felicidade era tão grande que ela sentiu vontade de dizer algo. Tinha medo, mas a vontade era maior que tudo e, justamente pra não deixar o medo sobrepujar a vontade ela disse rapidinho: "Eu amo você!"
Ele ficou silencioso de repente. Ficou sério. Ela se arrependeu imediatamente e a alegria deu lugar ao pânico.
Ele encostou os dedos nos lábios dela: "Não diga isso."


Ela tinha ficado grávida aos 15 anos. Besteira de adolescentes. Acabaram casando-se.
Assim que ele terminou a escola, conseguiu um emprego num cargo público em outra cidade.
Ela ficou ali mesmo porque era o melhor lugar pra criar o bebê. Porém, mesmo que ele aparecesse todo final de semana, a saudade que ela sentia não se dissipava. Pelo contrário. Parecia crescer mais e mais a cada sábado e domingo que não eram suficientes pra sanar a carência que sentia pelo pai de sua filha.
Um dia ela resolveu fazer uma surpresa. Comprou um corpete de renda preto com detalhes bordados, uma cinta-liga e meia calça.
À noite depois do banho, perfumou-se, passou cremes, vestiu a meia, a cinta-liga, o corpete e foi seduzir seu amor que lia uma revista qualquer na cama.
Ele olhou pra ela, abriu um sorriso e disse: "Que é isso, vai desfilar Carnaval?"


Eles estavam casados há alguns anos. Já tinham enfrentado e superado várias crises. A mais recente porém, estava difícil de superar. Numa noite, enquanto ele assistia TV no sofá da sala ela sentia seu corpo vazio de propósito, de carinho, de razão de ser. Tomou coragem, tentou esquecer todas as mágoas e aninhou-se no corpo dele, dando-lhe um beijinho no pescoço e no lóbulo da orelha.
Ele olhou pra ela e não disse nada, mas antes tivesse dito. Seu olhar tinha um asco que fê-la sentir-se o ser humano mais repugnante da face da terra. Algumas mágoas jamais cicatrizam.