terça-feira, 28 de setembro de 2010

Lixo

Todas as cartas foram pro lixo.

Aquela em que ela desenhou um Garfield segurando um coração, assinando “eu te amo” e com a data grifada pra fazer lembrar que o relacionamento aniversariava sete meses.

A outra em que ela dissertava sobre a imensa felicidade encontrada nos braços de seu amado, foi amassada sem pesar e jogada fora.

O cartãozinho de aniversário desenhado com lápis de cor e papel recortado.

O livro feito à mão com 50 folhas de papel sulfite e capa dura de papelão e E.V.A foi descartado.

O bilhetinho onde ela jurava amor eterno e o outro bilhetinho onde ela prometia amor além da vida, também foram despojados. Junto da carta em que ela suplicava um pouco mais de carinho e atenção. Em que ela pedia um colo que lhe aplacasse a tristeza e o desolamento provocados pela TPM e pelo excesso de trabalho daquele que escolhera para companheiro.

As infinitas cartas escondidas na gaveta, dentro de livros e mochilas para provocar agradáveis surpresas em seu marido, e até os corriqueiros lembretes cotidianos com declarações afetuosas.

Tudo foi posto numa sacola de supermercado e levado pra fora.

Não têm mais valor. As cartas não têm mais razão de ser. Não eram mais cartas. Eram lembranças, suvenires de um amor que se esgotou, que se sabotou, que se desfez sem deixar qualquer espólio senão aqueles textos cheios de promessas que nunca foram cumpridas, abarrotados de um amor moribundo tentando desesperadamente alcançar uma sobrevida. Cartas como prova de um afeto que se diluiu na rotina, na chatice, na traição. Suvenires de um casamento que ruiu pelo vilipêndio, pela pobreza de espírito, pela insegurança e ciúmes.

Todas as cartas foram pro lixo. Todas. Porque ocupavam espaço demais no meu apartamento. Porque ocupavam espaço demais nas minhas lembranças. Porque eu não sou mais o amado pra quem elas falavam. Porque eu não lembro mais quem as escreveu.

Porque nunca mais quero lembrar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

E daí?

Você começa um relacionamento amoroso e sabe, de cara, que em algum momento vai acabar. Pode ser cedo, pode ser tarde, mas vai. A única coisa que resta a fazer a respeito é aproveitar cada pequeno momento como se fosse acabar daqui dois minutos e torcer pra que não acabe nunca.

Mas você sabe. No fundo você sabe que quando escutar sozinho aquela música que vocês dois escutavam juntos, isso te fará lembrar dela e fará doer.

Você sabe que, quando estiver no ônibus e passar por aquele bairro, verá pela rua os fantasmas de vocês dois andando de mãos dadas, discutindo trivialidades.

Quando a TV anunciar aquele filme que vocês viram no cinema, isso te lembrará o quanto ela gostava de pipocas.

Quando alguém passar por você na rua, exalando o perfume que ela usava, você sentirá nos lábios o gosto do pescoço dela como se a tivesse beijado segundos atrás.

Você sabe.

Mesmo que seja você quem dê cabo da relação. Mesmo que você tenha se esgotado, você sabe que, quando estiver naquele restaurante e vir no menu o prato favorito dela, sentirá saudades do som de suas risadas.

Sabe que quando vir um casal pela rua, isso te lembrará o medo que você sentia de ela um dia te deixar.

Quando alguém cometer o mesmo erro de português que ela tinha mania de cometer, você sentirá ternura e um vazio imenso (ainda que momentâneo) por nunca mais ter ouvido aquela voz de novo.

Numa manhã qualquer você vai acordar sozinho e se lembrar de quando acordava vendo o sorriso dela te dizer bom dia com a voz rouca.

Um dia você vai emprestar pra alguém o livro que ela te deu, só porque sabe que essa pessoa não é do tipo que devolve livros emprestados. Só porque olhar pra ele na estante te faz lembrar das tardes em que vocês discutiam o livro fervorosamente. As tardes em que vocês não queriam sair. Os dias em que ela andava pela casa só de calcinha. O perfume dos cabelos dela nos seus dedos. E aquele olhar meigo com a cabeça cheia de espuma de xampu.

Você começa um relacionamento amoroso já sabendo que algum dia ele vai acabar e que esse fim vai te causar muita, muita dor.

Mas, e daí?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O que a gente quer

Só o que a gente quer é ter companhia.

Só o que a gente quer é encontrar alguém interessante. Alguém que seja capaz de nos acrescentar algo, de nos levantar a estima, fazer com que queiramos sair da cama de manhã, fazer com que nos sintamos felizes, amados, desejados e completos.

Só o que a gente quer é conversar longas horas, sobre tudo ou sobre nada e sentir que estamos em boas mãos.

Só o que a gente quer é poder confiar, é não precisar guardar segredos e ter certeza de que o outro também não guarda nenhum.

A gente quer alguém com quem dividir a vida, porque a vida é foda, a vida é pesada e é pior ainda quando a gente tenta vivê-la sozinho.

Só o que a gente quer é a chance de dizer pra alguém, olhando nos olhos "amo você", escutar "eu também te amo" e não sentir dúvidas a respeito da veracidade dessa declaração.

Só o que a gente quer é sexo bacana, desencanado e mutuamente prazeroso. Porque é um puta prazer proporcionar prazer a alguém.

A gente quer isso porque a gente precisa disso. Porque está na nossa programação, no nosso DNA. Sem isso parece que tudo fica meio opaco, parece São Paulo quando não chove, parece domingo à noite, parece DVD riscado no final do filme. Parece que não orna.


Só o que a gente quer é ter companhia. Mas a gente complica tudo, a gente sente medo demais, ciúmes demais, estresse demais. A gente sente insegurança, desconfiança, preguiça. E isso é muito frustrante porque a gente não quer sentir nada disso.

Só o que a gente quer é sentir amor.