sábado, 6 de outubro de 2012

Viver pra quê?


Viver pra quê? Se falta sempre tanto e o pouco que se consegue com tanto esforço te é tomado? Viver pra quê se à medida em que se envelhece sente-se cada vez mais distante das pessoas, do que elas pensam, do que elas gostam e do que acreditam? Se o espírito anseia tanto pela soma da companhia serena e franca das pessoas à sua volta mas a traição, o egoísmo e o descaso são as únicas constantes dessa equação?
Qual o sentido de carregar tanto peso se a recompensa nunca chega, ou chega e é sempre tão fugás que te deixa uma fome absurda?
Qual a intenção por trás de produzir algo? De criar algo? De ganhar dinheiro? De acumular experiências e histórias se tudo isso vai pro túmulo sem que ninguém além de si as conheça?
Qual a razão do otimismo? Qual é o motivo de sacrificar-se em busca da felicidade (qualquer que seja o objeto ou objetivo em que se projete a felicidade) se ela nunca vem.
Se a resposta nunca vem. Se o amor nunca vem. Se os anseios continuam sempre sendo anseios. Se ninguém nunca ganha nada porque ninguém nunca tem disposição pra dar?

Pra quê, se sua análise do mundo é demasiadamente distorcida ou o mundo é demasiadamente distorcido de uma forma tal que presenciar a vida e a rotina dos outros te esmaga o coração e o ânimo?
Se toda tentativa de encaixar-se te obriga a abrir mão de uma infinidade de sonhos e crenças que você cultiva e que te definem.
Se os outros te escutam, mas não te ouvem. Se é simplesmente impossível viver e ignorar a presença dos outros. Se é inconcebível viver sem outros. Se é impensável ser a antítese dos outros.

Viver pra quê? Pra quê acordar todo dia? Se todo dia, quando você acorda, sua auto comiseração, seu amor próprio, seu egoísmo, seu medo, suas obsessões e suas fraquezas te fazem repetir incessantemente: Por que eu?

Mas eu digo o por quê: porque eu quero, preciso e sito que seja um direito meu, depois de tanta decepção, depois de tantos desvios, depois de tudo de errado, de tanto pessimismo, ainda assim ser capaz de encontrar e erigir minha família de comercial de margarina. E ser feliz. Plenamente feliz. Feliz a ponto de esquecer tudo o que há de errado.

E morrer em paz.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Codorna



Então de repente você percebe o tamanho do engano. Percebe a mentira daquilo que vinha tentando negar. De repente você pára e percebe exposta ali, a verdade chata e incômoda que vinha tentando ocultar. Aquela face feia que você vinha evitando encarar.

De repente você entende com toda a clareza do mundo, que seu relacionamento de anos não é mais o mesmo e não tem a menor chance de voltar a ser.
De repente você pára e simplesmente se toca de que a pessoa a seu lado não é mais a pessoa que você conheceu. E começa, de fato,  a aceitar a possibilidade de que provavelmente ela nunca tenha sido. Você olha pra ela, repara nos gestos, nos trejeitos, nos assuntos, na opiniões e fica procurando algum sinal daquela outra pessoa. Daquela outra, por quem você tinha se apaixonado.
De repente você nota que os novos amigos dela sabem mais coisas e mais segredos do que você sabe, hoje em dia. Repara que o armário dela mudou, que o perfume mudou, que a cor do cabelo mudou e não há ali nada mais com que você encontre correspondência.

São os fatos da vida. Não há o que fazer. Não há desejo algum, esperança nenhuma que seja capaz de alterar esse estado de coisas.
E não há com quem falar a respeito, nem há quem possa prover qualquer consolo ou conselho porque ninguém mais sabe o que houve. Ninguém conhece os fatos, ninguém mais conhece os envolvidos de forma tão profunda, com tantos detalhes, com tanto o que lamentar quanto você mesmo. Esse talvez seja o pior tipo de solidão que se possa sentir. O tipo de solidão que não pode ser exprimida, que não pode ser dividida, que não pode ser confessada. O tipo de solidão que só te deixa a possibilidade da resignação.


Como aquela codorna de asas quebradas que você encontrou no quintal da sua avó quando tinha seis anos de idade. Você acolheu, aninhou, investiu seu tempo e seu zelo, cuidou como se sua própria vida estivesse em jogo, passou a noite sem dormir, preocupado, torcendo, rezando pra que ela resistisse, pra que sobrevivesse. Mas então, no dia seguinte você corre até a caixa de papelão forrada com jornal, onde deixou o passarinho e descobre consternado que ele está morto, frio, rígido e com algumas formigas já trabalhando avidamente naquela carcaça, por sobre as penas miúdas do que - uma noite atrás - tinha sido um pássaro vivo, quente, respirando.

Quando isso acontece é porque nada mais resta. É porque, por mais pesar que haja, por maior que seja a vontade de continuar, de insistir naquilo, é hora de deixar pra lá. É hora de enterrar a codorna morta, resignar-se e voltar pro quintal, pra brincar.